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O 15 de Outubro em Bruxelas – uma longa marcha, um novo cancioneiro e alguns velhos hábitos

26 Out

O encontro estava marcado para as 13h30 na Gare du Nord. Por volta dessa hora, a mobilização já tinha algum corpo e as hostes mostravam-se animadas. O colorido era semelhante ao de outros tempos na era do não-tão-longuínquo movimento anti-(alter)globalização, com a diferença de que desta vez eram os espanhóis quem, para além de lançarem o mote, ofereciam a voz, o corpo e o grosso da mobilização.

Foram eles que avançaram com a ideia do March to Brussels. Pepe, um desempregado espanhol de 31 anos, foi um dos espanhóis que participou na caminhada desde o seu início. O início da história é já bem conhecido, segundo ele tudo começou quando a 15 de Maio um grupo de cidadãos decidiu sair à rua porque os partidos e os sindicatos não resolviam o que tinham de resolver. Entretanto, continua ele, houve acampadas, marchas populares e esta marcha para Bruxelas saiu a 26 de Julho de Madrid, saiu outra de Barcelona e outra ainda de Toulouse. Demoraram mais de 2 meses a chegar e entre entradas e saídas conseguiram manter sempre um grupo de cerca de cem pessoas. Pelo norte chegaram também mais duas marchas, uma de Amsterdão em bicicleta e outra de Colónia.

Pelo caminho, foram passando por diversas localidades, falaram com as populações, ouviram as suas opiniões e compilaram as propostas que foram saindo num documento que entretanto, já depois do 15 de Outubro, entregaram junto de representantes das instituições europeias. Alejandra, estudante de 20 anos, foi outra das participantes na marcha. Juntou-se ao grupo quando este passou pela sua cidade, Vitória, a 11 de Agosto e desde então não mais voltou a casa. Leva às costas a sua mochila de campismo e uma tenda, leva também os tachos e alguns outros artefactos de campismo pendurados na mochila e nas calças, mas ainda assim, tem energia para segurar no troço de madeira que suporta a sua faixa. Alejandra veio a Bruxelas porque acredita que se nos unirmos todos somos capazes de mudar o sistema, mudar a sociedade e mudar o mundo. Na mesma linha está Thessa, uma estudante belga que esteve de Erasmus em Espanha no ano passado e que assim pode participar no movimento desde o seu início. Tal facto, conta ela, inspirou-me de tal forma que não pude faltar hoje. E continua, os meus pais pensam que sou completamente naive em estar aqui mas creio que é fantástico que as pessoas se mobilizem pelo seu futuro comum.

Eram também os espanhóis quem pautava o ritmo musical. Ouviam-se slogans como de norte a sur, de este a oeste, la lucha sigue, cueste lo que cueste, ou que no, que no, que no nos representan para além de imensas canções que imagino tenham surgido durante as acampadas. Haviam também algumas palavras de ordem em francês como nous sommes indignés, indignés, indignés. A juntar às tradicionais anti-globalização como a, anti, anti-capitalista ou another world is possible e às mais clássicas como el pueblo unido, jamás será vencido.

Gente de outras nacionalidades e de outras proveniências também marcou presença. Jan, um holandês funcionário das instituições europeias que levava a filha de 9 anos pela mão, explicou que a União Europeia vive tempos de indefinição e que as pessoas devem estar sempre no cerne das políticas a implementar. Daí ser importante que os cidadãos se mobilizem e que façam ouvir a sua voz bem alto, é inadmissível que os políticos europeus estejam a fraquejar numa fase tão complicada como esta em que vivemos. Para Kevin, um jovem desempregado natural de Bruxelas, é importante apoiar este movimento para que todos juntos possamos encontrar respostas para os nossos problemas. Encontra-se desempregado e explica que não é fácil para ninguém neste momento encontrar um trabalho por mal pago que seja.

Segundo os números da polícia, a manifestação contou com a presença de 7 mil pessoas. Houve quem falasse em 10 mil ou até mais, mas ainda está por resolver o dilema da contagem de pessoas em manifestações. Fiquemo-nos por aí. Mais milhar menos milhar dá para se ter uma ideia da dimensão do protesto.

Se gostaste do 12 de Março então não te desiludas muito com o 15 de Outubro

21 Set

Os espanhóis lançaram o mote e a malta lá anuiu, afinal a luta tem de ser europeia. Nos dias que correm as batalhas locais têm pouca influência, principalmente quando falamos de finança global ou de instituições europeias. Ainda assim, esta tal europeízação da luta obedece a critérios muito espanhóis ou não fosse o 15 de Outubro a data que marca o meio ano que passou desde que a cidadania tomou a Puerta del Sol a 15 de Maio. Mais, como se não bastasse o simbolismo da data, a malta aqui do lado conseguiu também impingir o seu nome e lá se vai então ordeiramente defender essa tal democracia real.

Que se enganem aqueles que acham que isto é um apelo à desmobilização, longe disso. Também não é uma crítica à emergência dos novos (novíssimos) movimentos sociais, sou um entusiasta apoiante. Este texto pretende ser apenas um convite à reflexão dado que tudo o que de forte, simbólico e empolgante se construiu nos últimos tempos corre o risco de se transformar em nada. O que é uma pena, um desperdício de oportunidade e uma desilusão.

Já há alguns meses atrás havia vaticínios que a montanha iria parir um rato. Era uma possibilidade, sem dúvida, mas não uma certeza.   Não tem de ser assim e nem tudo estará perdido nesta fase do campeonato. Houve pequenas vitórias nestes meses. Por exemplo a entrada fulgurante do tema da precariedade na agenda política e na comunicação social. E também a entrada de novos (e velhos que entretanto tinham desmotivado) activistas no palco social. Contudo, pelo andar da carruagem o 15 de Outubro e os seus dias seguintes arriscam-se a ser um fiasco. Em condições normais seria sempre difícil manter um tal nível de mobilização. O contexto é muito diferente daquele vivido no início deste ano e por outro lado o efeito surpresa/novidade já passou. Mas não são apenas as condições externas que indiciam o fracasso, a própria dinâmica do movimento não tem sido a melhor e foram/têm sido cometidos vários erros, uns por acção, outros por omissão e outros ainda por inércia ou inépcia. O que sobra do 12 de Março e em parte do movimento das acampadas começa a pisar a fronteira do clássico movimento de picar o ponto, sintoma de que não se sabe muito bem o que fazer. Há também uma certa influência não muito positiva do velho mivimento social face ao novo. Em vez de ser o novo movimento social a trazer ar fresco ao velho, tem-se assistido ao contrário com o novo a adquirir certos vícios e maus hábitos do velho. Mas o pior nestes casos nem é o risco de não acontecer nada, pior que isso é o risco da contraproducência, avaliado em desgaste de activistas, em desmoralização face a resultados inexistentes e em descrédito do movimento.

Na minha opinião, e agora referindo-me exlusivamente ao 12 de Março, há três dimensões importantes a analisar:  a orgânica, a táctica e a programática. O primeiro plano é talvez aquele que tenha falhado mais. Não saiu organização do 12 de Março que conseguisse aglutinar muita gente e ter uma representatividade nacional. As lutas fazem-se muito na área da comunicação, mas também se fazem com gente na rua com capacidade de trabalho, de mobilização e de representação. Por vários motivos a coisa não conseguiu nascer e quando passado o furor da manifestação se decidiu criar o M12M o momento já tinha passado e não se conseguiu reunir mais que uma dúzia de pessoas, o que convenhamos para uma manifestação daquela dimensão é manifestamente ridículo. Por aqui entramos na segunda dimensão, a táctica. Deixar passar demasiado tempo até se criar a organização foi terrível. Esse projecto não seria fácil em condições nenhumas mas podia ter sido melhor gerido. Bastava preparar a estratégia para o dia seguinte, apresentar uma proposta, propor um caminho, dar trabalho às pessoas para que quando se saísse da manifestação muita gente pudesse estar em sintonia e extremamente motivada para continuar. Perderam-se os momentos certos e desperdiçou-se imensa energia e potencial.

Até aqui creio que quase todos estejam de acordo. O que lá vai já pouco importa e interessa construir o futuro. Prioritário será reforçar a organização, alargar, crescer, incluir, numa postura humilde de quem estabelece pontes e não de quem constrói muros. A dimensão porventura mais polémica será a terceira, a programática. O que é que andamos cá a fazer? O que é que queremos conquistar? Fala-se apenas de precariedade ou inserem-se outros temas? São questões que seria importante responder. Não vou entrar para já por aí, apesar de ter a minha opinião sobre o assunto. O texto já deverá estar a demasiado pesado e não se pode responder assim como quem não quer a coisa a estas questões. Fica o apelo à reflexão e acima de tudo o apelo a que não se desmobilize perante os próximos cenários pouco animadores.